Atenção, este é um blog pessoal, eu só divulgo/resenho material QUE EU QUERO QUANDO EU QUERO. Você pode até me enviar seu trabalho ou me pedir pra upar alguma banda especifica se quiser... quem sabe eu acabo fazendo? Mas eu não me comprometo a postar/divulgar/disponibilizar NADA.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Anjos, Punks do ABC 77-85

Seguindo com mais trabalhos acadêmicos, esse pós-graduação de Aldemir Leonardo Teixeira na PUC em 2007. O Movimento Punk no ABC Paulista - Anjos: Uma Vertente Radical.

Primeiro adiantar que introdução, apresentação, referencial teórico e estudos e métodos são uma parte bem curta e rápida, bom pra quem, como eu, acha um saco isso.

O autor diz que quis escrever especificamente sobre a cena do ABC por haver pouco material sobre isso - o que é verdade, tudo quanto é documentário e trabalho por aí tu sempre vê nomes como Clemente (Inocentes), Ariel (Restos de Nada/Invasores de Cérebros), Redson (Cólera), Fabião (Olho Seco) e João Gordo (Ratos de Porão), mas raramente vê algo sobre o ABC - mas eu suspeito, pela narrativa, que o próprio autor tenha sido parte da gangue Anjos, e que ele guarda muito ressentimento, como alguns dos entrevistados, quanto as questões das tretas ABC x São Paulo e também algum senso de superioridade quanto às gerações a seguir, com certo desdem pelos punks que vieram a surgir pelo final dos anos 80 e começo dos anos 90, mesmo citando diversas organizações politizadas entre eles.

Bom, o primeiro capítulo se trata de uma contextualização do movimento punk, citando alguns movimentos jovens anteriores e aí citando a cena punk inglesa e americana, essa parte tá bem rica em detalhes mesmo que eu ache que algumas pesquisas do autor não tenham sido tão completas.
Aí vem a parte legal, o segundo capítulo começa a falar sobre a cena punk no Brasil, o surgimento dela, fala bastante sobre primeiras bandas, divulgadores, eventos, salões, noticias, etc, cita banda e gangue pra caramba, mas claro, o seu foco é o ABC e os Anjos. O autor insiste bastante no lance de os punks do ABC terem uma bagagem política mais contundente que os da "city", de serem mais extremos e tal, aí eu já não sei dizer se é verdade, mas se tu olhar comparando ao menos as três principais bandas que ele estuda: Passeatas, Hino Mortal e Ulster, com as três maiores da city na época, Inocentes, Olho Seco e Cólera, as do ABC de fato eram mais agressivas tanto no visual e na sonoridade quanto nas próprias letras.
Além de entrevistas com membros das citadas Passeatas, Hino Mortal e Ulster também rola entrevista com outros punks do ABC, bastante histórias do Anjos, bastante citação de bandas e eventos, e também fotos das bandas Passeatas, Libertação Radical, Indigentes, Hino Mortal, Ulster, Niilista, Decadência Social/DZK e Disritmia.
O terceiro capítulo se trata da Dispersão, e conta os problemas que assolaram o grupo, como a morte e assassinato de alguns integrantes. Também relata as tentativas de reorganização e a resistência que teve. Numa das partes conta uma história engraçada da banda Libertação Radical, que havia ganho um concurso de bandas da CUT, e fora convidada a tocar num comício do Lula bem na praça onde os Anjos se reuniam, e como foram menosprezados pela organização resolveram gritar entre as músicas frases anarquistas contra partidos e políticos. Depois do show os organizadores com seus seguranças quiseram tirar satisfações, mas um dos integrantes só disse para a organização, apontando para os punks "Se liga, você não está na sua área, se encostar a mão na gente tá vendo aquele grupo ali, incendeia toda essa merda" e o pessoal do PT e CUT se borraram hahaha

O autor mostra como o grupo Anjos, e as bandas que surgiram no meio, sempre tiveram forte posicionamento anarquista, na verdade, ele divide a gangue em sua criação em '77 como uma gangue de rua normal e pós '79 com um ideal anarquista definido, e demonstra isso em zines, manifestos e letras de músicas.
No final é disponibilizado uma série de cartazes, fotos, panfletos, recortes de jornais e revistas. O livro é bem direto e tem uma linguagem bem simples, e bem legal pra quem quer conhecer um pouco do que foi a cena no ABC nessa época.

O Movimento Punk no ABC Paulista - Anjos: Uma Vertente Radical, Aldemir Leonardo Teixeira (2007)

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Os Carecas do Subúrbio: Caminhos de um nomadismo moderno

Mais um trabalho acadêmico, esse excelente, tese de doutorado da autora.
Eu tinha procurado pra caralho ele várias vezes, única coisa que sabia era as várias referências que tem no livro de seu aluno Alexandre de Almeida já postado aqui. Procurei bastante em especial ano passado pra um trabalho que escrevi (e não sei por que até hoje ainda não postei isso aqui, mais tarde o farei) e não achei. Fiquei sabendo agora que no final do ano passado alguém upou um scan do livro no Scribd, mas na verdade eu encontrei ele totalmente sem querer uns meses atrás no blog Movimentos Juvenis Brasileiros. e tá upado desde 2009, não sei como não encontrei antes. (única coisa que fiz foi juntar os scans em .jpg deles num arquivo único .pdf)

Bom, sobre o livro, ele é dividido em seis capítulos dentro de duzentas e poucas páginas. O primeiro e o último capítulo são bem acadêmicos, fazendo dissecações sociológicas sobre questões de identidade, cultura, sociedade, etc, pode interessar à alguém, mas o que eu acho interessante mesmo é o miolo.

Há entrevistas de dezenas de punks e carecas e também muitos zines foram usados na pesquisa. É interessante ver que a priori os Carecas do Subúrbio eram uma gangue punk e que foi se fundindo com outras gangues punks, e que no começo haviam tanto carecas anarquistas, que chegaram a frequentar o CCS (Centro de Cultura Social, um centro anarquista bastante citado no livro do Valdir da Silva Oliveira aqui) como também carecas filiados ao PCB e PCdoB, mas todos ligados a uma imagem auto-criada de herói - íntegro, puro, honrado, etc - mas claro, essa imagem tava só na cabeça deles, pois as atitudes eram totalmente contrárias. Nas palavras de um dos carecas entrevistados: "A ideologia do movimento é a treta".

O livro narra como partidos de extrema direita se infiltraram no meio dos carecas e como os carecas usaram-se disso para cada vez mais se opor aos punks, se diferenciar, mesmo que tenha havido certa resistência dos próprios carecas quanto a essas ideologias.
Um caso seria o careca "G" que tinha um discurso anarquista e escrevia para zines fazendo parte do Núcleo de Consciência Punk, só que com o passar do tempo ele começou a tentar conciliar as idéias anarquistas com as nacionalistas que tomaram conta da cena careca, e por fim, ele acaba ficando só com os nacionalistas mesmo. Um outro caso seria do editor do zine Lute ou Vegete, de Santos, que provavelmente era o Genivaldo do Tropa Suicida, que no começo tinha um tom mais libertário e no final passa a ser panfletário da FNB (Frente Nacionalista Brasileira, réplica do National Front inglês), PNSB (Partido Nacional Socialista Brasileiro) e JNSB (Juvente Nacional Socialista Brasileira) - esse último ele foi dirigente, e é creditado à FNB o nome "Carecas do Brasil", unindo as gangues que agora já estavam em várias cidades.


"Mas agora as coisas estão confusas. Eu vi um fanzine em que estava escrito: 'Nós carecas anarquistas e nazistas de direita somos contra a atual situação que está aí, por isto protestamos'. Então vêem o nazismo como forma de protesto contra a atual sociedade."
"P", um dos punks entrevistados

Falando sobre o lance de partidos, é possível traçar a história dos carecas desde '81, sendo que por '84 e '85 há uma quebra maior com a cena punk e começa a se inserir idéias mais nacionalistas e por '86 se consolidando como um "movimento", pela mesma época em que começa as influências dos partidos nazistas e integralistas (que voltam a existir dado ao fim da ditadura), e o FNB se forma em '87 e parece que quase toda a cena careca estava ligado de uma maneira ou de outra a esses grupos.
É engraçado porque parece que a cena careca de maneira geral nutria muito simpatia por Hitler, mesmo ela sendo composta de muitos negros e mestiços, circulava no meio deles livros e textos revisionistas de S.E. Castan que buscavam negar o racismo de Hitler e o Holocausto. A maioria dos carecas negava o racismo mas se inspiravam na idéia do soldado nazista, superior, forte, disciplinado, honrado, etc, mas no entanto, nem todos ignoraram a parte racista, e isso fica melhor explicado no livro do Almeida - também acho interessante ver o cartaz dos Carecas do Brasil disponibilizado no livro do Ricardo Ampudia aqui.



Enfim, acho que a resenha já tá longa, então segue o link para download do livro:

Os Carecas do Subúrbio: Caminhos de um nomadismo moderno, Márcia Regina da Costa (1992)



E já tá link ali pra trás, mas acho que esses dois outros livros são ótimos complementos pra quem se interessar pela história:

Skinheads :os “mitos ordenadores” do Poder Branco Paulista, Alexandre de Almeida (2004)
O Anarquismo No Movimento Punk : Cidade de São Paulo, 1980-1990, Valdir da Silva Oliveira (2007)